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Archive for setembro \29\-03:00 2013

Esta semana o presidente do Uruguai, José Mujica, falou na assembleia geral da ONU.
E um belo discurso, quase um sonho. Verdadeira utopia de um homem simples.
Vale a pena ler e refletir.

Amigos, sou do sul, venho do sul. Esquina do Atlântico e do Prata, meu país é uma planície suave, temperada, uma história de portos, couros, charque, lãs e carne. Houve décadas púrpuras, de lanças e cavalos, até que, por fim, no arrancar do século 20, passou a ser vanguarda no social, no Estado, no Ensino. Diria que a social-democracia foi inventada no Uruguai.

Durante quase 50 anos, o mundo nos viu como uma espécie de Suíça. Na realidade, na economia, fomos bastardos do império britânico e, quando ele sucumbiu, vivemos o amargo mel do fim de mudanças funestas, e ficamos estancados, sentindo falta do passado.

Quase 50 anos recordando o Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje, ressurgimos no mundo globalizado, talvez aprendendo de nossa dor. Minha história pessoal, a de um rapaz — porque, uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu tempo, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros são, em parte, filhos de meu tempo. Obviamente, os assumo, mas há vezes em que medito com nostalgia.

Quem tivera a força de quando éramos capazes de abrigar tanta utopia! No entanto, não olho para trás, porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo contrário, não vivo para cobrar contas ou para reverberar memórias.

Me angustia, e como, o amanhã que não verei, e pelo qual me comprometo. Sim, é possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira tarefa seja cuidar da vida.

Mas sou do sul e venho do sul, a esta Assembleia, carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos pampas, nas depressões da América Latina, pátria de todos que está se formando.

Carrego as culturas originais esmagadas, com os restos de colonialismo nas Malvinas, com bloqueios inúteis a este jacaré sob o sol do Caribe que se chama Cuba. Carrego as consequências da vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que não despertar desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazônia, os mares, nossos grandes rios na América.

Carrego o dever de lutar por pátria para todos.

Para que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, e carrego o dever de lutar por tolerância, a tolerância é necessária para com aqueles que são diferentes, e com os que temos diferenças e discrepâncias. Não se precisa de tolerância com aqueles com quem estamos de acordo.

A tolerância é o fundamento de poder conviver em paz, e entendendo que, no mundo, somos diferentes.

O combate à economia suja, ao narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas, procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que somos felizes se enriquecemos, seja como seja. Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a aparência de felicidade.

Parece que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de frustração, pobreza e até autoexclusão.

O certo, hoje, é que, para gastar e enterrar os detritos nisso que se chama pela ciência de poeira de carbono, se aspirarmos nesta humanidade a consumir como um americano médio, seriam imprescindíveis três planetas para poder viver.

Nossa civilização montou um desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível satisfazer esse sentido de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica como uma cultura de nossa época, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.

Prometemos uma vida de esbanjamento, e, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a natureza, contra a humanidade no futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais.

O pior: civilização contra a liberdade que supõe ter tempo para viver as relações humanas, as únicas que transcendem: o amor, a amizade, aventura, solidariedade, família.

Civilização contra tempo livre que não é pago, que não se pode comprar, e que nos permite contemplar e esquadrinhar o cenário da natureza.

Arrasamos a selva, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana.

Cabe se fazer esta pergunta, ouvimos da biologia que defende a vida pela vida, como causa superior, e a suplantamos com o consumismo funcional à acumulação.

A política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado. De salto em salto, a política não pode mais que se perpetuar, e, como tal, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades, para pais, para mães, passando pelas secretárias, pelos automóveis e pelas férias. Tudo, tudo é negócio.

Todavia, as campanhas de marketing caem deliberadamente sobre as crianças, e sua psicologia para influir sobre os adultos e ter, assim, um território assegurado no futuro. Sobram provas dessas tecnologias bastante abomináveis que, por vezes, conduzem a frustrações e mais.

O homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar condicionado. Sempre sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas presas do mercado, assegurando a acumulação. A crise é a impotência, a impotência da política, incapaz de entender que a humanidade não escapa nem escapará do sentimento de nação. Sentimento que está quase incrustado em nosso código genético.

Hoje é tempo de começar a talhar para preparar um mundo sem fronteiras. A economia globalizada não tem mais condução que o interesse privado, de muitos poucos, e cada Estado Nacional mira sua estabilidade continuísta, e hoje a grande tarefa para nossos povos, em minha humilde visão, é o todo.

Como se isto fosse pouco, o capitalismo produtivo, francamente produtivo, está meio prisioneiro na caixa dos grandes bancos. No fundo, são o vértice do poder mundial. Mais claro, cremos que o mundo requer a gritos regras globais que respeitem os avanços da ciência, que abunda. Mas não é a ciência que governa o mundo. Se precisa, por exemplo, uma larga agenda de definições, quantas horas de trabalho e toda a terra, como convergem as moedas, como se financia a luta global pela água e contra os desertos.

Como se recicla e se pressiona contra o aquecimento global. Quais são os limites de cada grande questão humana. Seria imperioso conseguir consenso planetário para desatar a solidariedade com os mais oprimidos, castigar impositivamente o esbanjamento e a especulação. Mobilizar as grandes economias não para criar descartáveis com obsolescência calculada, mas bens úteis, sem fidelidade, para ajudar a levantar os pobres do mundo. Bens úteis contra a pobreza mundial. Mil vezes mais rentável que fazer guerras. Virar um neo-keynesianismo útil, de escala planetária, para abolir as vergonhas mais flagrantes deste mundo.

Talvez nosso mundo necessite menos de organismos mundiais, desses que organizam fóruns e conferências, que servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas e, no melhor dos casos, não reúne ninguém e transforma em decisões…

Precisamos sim mascar muito o velho e o eterno da vida humana junto da ciência, essa ciência que se empenha pela humanidade não para enriquecer; com eles, com os homens de ciência da mão, primeiros conselheiros da humanidade, estabelecer acordos para o mundo inteiro. Nem os Estados nacionais grandes, nem as transnacionais e muito menos o sistema financeiro deveriam governar o mundo humano. Sim, a alta política entrelaçada com a sabedoria científica, ali está a fonte. Essa ciência que não apetece o lucro, mas que mira o porvir e nos diz coisas que não escutamos. Quantos anos faz que nos disseram coisas que não entendemos? Creio que se deve convocar a inteligência ao comando da nave acima da terra, coisas assim e coisas que não posso desenvolver nos parecem impossíveis, mas requeririam que o determinante fosse a vida, não a acumulação.

Obviamente, não somos tão iludidos, nada disso acontecerá, nem coisas parecidas. Nos restam muitos sacrifícios inúteis daqui para diante, muitos remendos de consciência sem enfrentar as causas. Hoje, o mundo é incapaz de criar regras planetárias para a globalização e isso é pela enfraquecimento da alta política, isso que se ocupa de todo. Por último, vamos assistir ao refúgio de acordos mais ou menos “reclamáveis”, que vão plantear um comércio interno livre, mas que, no fundo, terminarão construindo parapeitos protecionistas, supranacionais em algumas regiões do planeta. A sua vez, crescerão ramos industriais importantes e serviços, todos dedicados a salvar e a melhorar o meio ambiente. Assim vamos nos consolar por um tempo, estaremos entretidos e, naturalmente, continuará a parecer que a acumulação é boa, para a alegria do sistema financeiro.

Continuarão as guerras e, portanto, os fanatismos, até que, talvez, a mesma natureza faça um chamado à ordem e torne inviáveis nossas civilizações. Talvez nossa visão seja demasiado crua, sem piedade, e vemos ao homem como uma criatura única, a única que há acima da terra capaz de ir contra sua própria espécie. Volto a repetir, porque alguns chamam a crise ecológica do planeta de consequência do triunfo avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo e também nossa derrota, porque temos impotência política de nos enquadrarmos em uma nova época. E temos contribuído para sua construção sem nos dar conta.

Por que digo isto? São dados, nada mais. O certo é que a população quadruplicou e o PIB cresceu pelo menos vinte vezes no último século. Desde 1990, aproximadamente a cada seis anos o comércio mundial duplica. Poderíamos seguir anotando dados que estabelecem a marcha da globalização. O que está acontecendo conosco? Entramos em outra época aceleradamente, mas com políticos, enfeites culturais, partidos e jovens, todos velhos ante a pavorosa acumulação de mudanças que nem sequer podemos registrar. Não podemos manejar a globalização porque nosso pensamento não é global. Não sabemos se é uma limitação cultural ou se estamos chegando a nossos limites biológicos.

Nossa época é portentosamente revolucionária como não conheceu a história da humanidade. Mas não tem condução consciente, ou ao menos condução simplesmente instintiva. Muito menos, todavia, condução política organizada, porque nem sequer tivemos filosofia precursora ante a velocidade das mudanças que se acumularam.

A cobiça, tão negativa e tão motor da história, essa que impulsionou o progresso material técnico e científico, que fez o que é nossa época e nosso tempo e um fenomenal avanço em muitas frentes, paradoxalmente, essa mesma ferramenta, a cobiça que nos impulsionou a domesticar a ciência e transformá-la em tecnologia nos precipita a um abismo nebuloso. A uma história que não conhecemos, a uma época sem história, e estamos ficando sem olhos nem inteligência coletiva para seguir colonizando e para continuar nos transformando.

Porque se há uma característica deste bichinho humano é a de que é um conquistador antropológico.

Parece que as coisas tomam autonomia e essas coisas subjugam os homens. De um lado a outro, sobram ativos para vislumbrar tudo isso e para vislumbrar o rombo. Mas é impossível para nós coletivizar decisões globais por esse todo. A cobiça individual triunfou grandemente sobre a cobiça superior da espécie. Aclaremos: o que é “tudo”, essa palavra simples, menos opinável e mais evidente? Em nosso Ocidente, particularmente, porque daqui viemos, embora tenhamos vindo do sul, as repúblicas que nasceram para afirmar que os homens são iguais, que ninguém é mais que ninguém, que os governos deveriam representar o bem comum, a justiça e a igualdade. Muitas vezes, as repúblicas se deformam e caem no esquecimento da gente que anda pelas ruas, do povo comum.

Não foram as repúblicas criadas para vegetar, mas ao contrário, para serem um grito na história, para fazer funcionais as vidas dos próprios povos e, por tanto, as repúblicas que devem às maiorias e devem lutar pela promoção das maiorias.

Seja o que for, por reminiscências feudais que estão em nossa cultura, por classismo dominador, talvez pela cultura consumista que rodeia a todos, as repúblicas frequentemente em suas direções adotam um viver diário que exclui, que se distancia do homem da rua.

Esse homem da rua deveria ser a causa central da luta política na vida das repúblicas. Os gobernos republicanos deveriam se parecer cada vez mais com seus respectivos povos na forma de viver e na forma de se comprometer com a vida.

A verdade é que cultivamos arcaísmos feudais, cortesias consentidas, fazemos diferenciações hierárquicas que, no fundo, amassam o que têm de melhor as repúblicas: que ninguém é mais que ninguém. O jogo desse e de outros fatores nos retém na pré-história. E, hoje, é impossível renunciar à guerra cuando a política fracassa. Assim, se estrangula a economia, esbanjamos recursos.

Ouçam bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações militares nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto em inteligência militar!! Em investigação médica, de todas as enfermidades que avançaram enormemente, cuja cura dá às pessoas uns anos a mais de vida, a investigação cobre apenas a quinta parte da investigação militar.

Este processo, do qual não podemos sair, é cego. Assegura ódio e fanatismo, desconfiança, fonte de novas guerras e, isso também, esbanjamento de fortunas. Eu sei que é muito fácil, poeticamente, autocriticarmo-nos pessoalmente. E creio que seria uma inocência neste mundo plantear que há recursos para economizar e gastar em outras coisas úteis. Isso seria possível, novamente, se fôssemos capazes de exercitar acordos mundiais e prevenções mundiais de políticas planetárias que nos garantissem a paz e que a dessem para os mais fracos, garantia que não temos. Aí haveria enormes recursos para deslocar e solucionar as maiores vergonhas que pairam sobre a Terra. Mas basta uma pergunta: nesta humanidade, hoje, onde se iria sem a existência dessas garantias planetárias? Então cada qual esconde armas de acordo com sua magnitude, e aqui estamos, porque não podemos raciocinar como espécie, apenas como indivíduos.

As instituições mundiais, particularmente hoje, vegetam à sombra consentida das dissidências das grandes nações que, obviamente, querem reter sua cota de poder.

Bloqueiam esta ONU que foi criada com uma esperança e como um sonho de paz para a humanidade. Mas, pior ainda, desarraigam-na da democracia no sentido planetário porque não somos iguais. Não podemos ser iguais nesse mundo onde há mais fortes e mais fracos. Portanto, é uma democracia ferida e está cerceando a história de um possível acordo mundial de paz, militante, combativo e verdadeiramente existente. E, então, remendamos doenças ali onde há eclosão, tudo como agrada a algumas das grandes potências. Os demais olham de longe. Não existimos.

Amigos, creio que é muito difícil inventar uma força pior que nacionalismo chovinista das grandes potências. A força é que liberta os fracos. O nacionalismo, tão pai dos processos de descolonização, formidável para os fracos, se transforma em uma ferramenta opressora nas mãos dos fortes e, nos últimos 200 anos, tivemos exemplos disso por toda a parte.

A ONU, nossa ONU, enlanguece, se burocratiza por falta de poder e de autonomia, de reconhecimento e, sobretudo, de democracia para o mundo mais fraco que constitui a maioria esmagadora do planeta. Mostro um pequeno exemplo, pequenino. Nosso pequeno país tem, em termos absolutos, a maior quantidade de soldados em missões de paz em todos os países da América Latina. E ali estamos, onde nos pedem que estejamos. Mas somos pequenos, fracos. Onde se repartem os recursos e se tomam as decisões, não entramos nem para servir o café. No mais profundo de nosso coração, existe um enorme anseio de ajudar para que o homem saia da pré-história. Eu defino que o homem, enquanto viver em clima de guerra, está na pré-história, apesar dos muitos artefatos que possa construir.

Até que o homem não saia dessa pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é a larga marcha e o desafio que temos daqui adiante. E o dizemos com conhecimento de causa. Conhecemos a solidão da guerra. No entanto, esses sonhos, esses desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais que comecem a governar nossa história e superar, passo a passo, as ameaças à vida. A espécie como tal deveria ter um governo para a humanidade que superasse o individualismo e primasse por recriar cabeças políticas que acudam ao caminho da ciência, e não apenas aos interesses imediatos que nos governam e nos afogam.

Paralelamente, devemos entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, mas da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se em seu desenvolvimento, para que possam viver com decência de maneira autônoma. Os recursos necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa civilização.

Há poucos dias, fizeram na Califórnia, em um corpo de bombeiros, uma homenagem a uma lâmpada elétrica que está acesa há cem anos. Cem anos que está acesa, amigo! Quantos milhões de dólares nos tiraram dos bolsos fazendo deliberadamente porcarias para que as pessoas comprem, comprem, comprem e comprem.

Mas esta globalização de olhar para todo o planeta e para toda a vida significa uma mudança cultural brutal. É o que requer de nós a história. Toda a base material mudou e cambaleou, e os homens, com nossa cultura, permanecem como se não houvesse acontecido nada e, em vez de governarem a civilização, deixam que ela nos governe. Há mais de 20 anos que discutimos a humilde taxa Tobin. Impossível aplicá-la no tocante ao planeta. Todos os bancos do poder financeiro se irrompem feridos em sua propriedade privada e sei lá quantas coisas mais. Mas isso é paradoxal. Mas, com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem, passo a passo, é capaz de transformar o deserto em verde.

O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra, se trabalharmos para usá-la bem. É possível arrancar tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.

Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nós mesmos, ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização em que fomos desenvolvendo.

Este é nosso dilema. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos na causas profundas, na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-tira que rouba tempo mal gasto de vida humana, esbanjando questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nosso “nós”.

o texto foi publicado no site do CLICK RBS, no link abaixo

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Excelente artigo, publicado no blog do jornalista REINALDO AZEVEDO.

Um espectro ronda o Supremo. Ou: Alien, o 12º passageiro

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Acordei nesta quinta-feira, ontem, com um placar, cá na minha cabeça, de 7 a 4 contra a admissão dos embargos infringentes, o recurso que pode levar alguns réus do mensalão — entre eles, os do núcleo duro petista — a um novo julgamento. Havia chegado a ele a partir de fragmentos de informação, da interpretação de alguns sinais, da leitura das sublinhas de declarações etc. Votos certos mesmo, dá para apostar a mão, são os de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que vão acolher o recurso; Barbosa já o rejeitou. O resto são conjecturas — minhas e de todo mundo. A sessão do Supremo terminou, e eu estava mais pessimista. Não se assistiu a pouca coisa nesta quarta e nesta quinta, não. Houve enormidades, lances constrangedores, tentativas de golpes mesquinhos e monumentais, chicanas, provocações as mais rasteiras, investimento no impasse, grosseria… A sorte, a grande sorte!, é que Joaquim Barbosa, o presidente, desta feita, agiu de modo impecável. Vamos lá.

Barbosa mostrou-se impassível até mesmo quando Ricardo Lewandowski fez a mais dura acusação contra o tribunal desde que o julgamento começou: acusou os que não votam como ele de agir de modo deliberado para prejudicar os réus — falava particularmente de José Dirceu. Acusou seus pares, então, de não se ater aos autos, mas de atuar para prender Dirceu. Ora, a mais clara e mais inequívoca de todas as verdades, aí sim, evidenciada pelos fatos, é que ele, Lewandowski, a cada gesto, a cada atitude, a cada decisão, atuou para favorecer o chefão petista. Se alguém foi para o tribunal como uma agenda, certamente não foram seus adversários de voto. Não seria difícil fazer o elenco de ações e decisões de Lewandowski que convergiram nesse sentido.

Quem forneceu todos os pretextos e arsenal para os que pretendiam melar o julgamento foi mesmo Teori Zavascki. Sua tese é exotismo judicial. Rever a pena de Dirceu (e outros quadrilheiros) porque outras condenações desses mesmos réus tiveram pena-base mais branda é um disparate. Zavascki se escandaliza porque a pena-base por quadrilha do chefão petista teria avançado 75% em relação à mínima. É mesmo? Quantos chefes de quadrilha houve? Que papel ele exercia na organização criminosa e no próprio governo, onde a dita-cuja passou a operar? Pior, já notei: Zavascki acha que embargos de declaração não se prestam a esse tipo de revisão. Como, no entanto, o tribunal concordou em corrigir uma real distorção em outro caso, aproveitou, então, para rever uma penca de votos anteriores. É um jeito estranho de pensar: como ele acredita que o STF errou ao aceitar um embargo (o de Breno Fischberg), então ele resolveu aceitar… todos! Que cabeça é essa? Então Teori acha que um erro é um vexame, mas uma porção deles, uma epifania? Então Teori é do tipo que se opõe a um suposto erro e, em sinal de protesto, admite logo uma dúzia?

Primeiro movimento
Assistimos, sim, nestes dois dias, a um espetáculo grotesco. Zavascki não participou da dosimetria da pena de Dirceu porque nem era membro do tribunal. Lewandowski e Dias Tottoli também não porque absolveram o réu. Não obstante, a questão levantada por Teori foi instrumentalizada para se tentar dar um golpe no julgamento. Toffoli, sem nenhum constrangimento, sem nenhum senso de medida, sem nenhuma preocupação com o decoro — OS PETISTAS VINHAM ACUSANDO-O DE FALTA DE DEDICAÇÃO À CAUSA —, chegou a propor a redução da pena de quadrilha para Dirceu e os demais, fazendo ali, ao vivo, a sua própria dosimetria. Nem mesmo esperou para saber se a tese de Teori restaria vitoriosa. Já foi metendo a mão no melado, se lambuzando no que parecia ser uma grande virada. Imagino o frenesi lá entre os comensais de Dirceu (ver post abaixo). Lewandowski, buliçoso, fazia a segunda voz, grande pizzaiolo da tarde, com a massa fornecida por Teori. A reversão, no entanto, não aconteceu. Mas ganhou uma adesão: a do ministro Marco Aurélio. Agora, a defesa do chefão petista já fala em apresentar um embargo infringente, na hipótese de que exista, por causa dos quatro votos favoráveis no embargo de declaração. Querem transformar o julgamento numa daquelas bonequinhas russas, a matrioshka: de dentro de uma, sempre sai outra. Ou, então, na boca do Alien, aquele monstrengo horroroso e babento: de dentro de uma boca asquerosa, sempre surge outra. Quando se pensa que acabou, lá vem uma linguona visguenta. Não sei, não, parece haver, além dos 11 titulares, um 12º passageiro no Supremo.

Segundo movimento
Fui muito criticado por alguns operadores de direito, inclusive por pessoas amigas — mas também bastante elogiado, é bom ficar claro — , porque estranhei o fato de que o ministro Teori, na quarta, a partir de um lance que eu saiba incidental do julgamento, tivesse produzido uma peça redigida de cinco páginas. A que me refiro? Ele não tinha como adivinhar que Roberto Barroso proporia a revisão da pena de Breno Fischberg. Menos ainda tinha como adivinhar que esse voto — a meu ver, correto — sairia vitorioso. Afinal, ele próprio se posicionou contra. Não obstante, usou o triunfo da tese de Barroso como pretexto para propor a sua penca de revisões. Tivesse feito ali, de improviso, com base, então, no andamento dos debates, eu teria achado normal. Mas não! Estava com uma peça redigida, com argumentação muito enfática (publiquei trecho em post desta quinta). Os que me criticaram dizem: “Um juiz prudente sempre se prepara!”. Tá bom! Então eu tenho uma nova estranheza.

Lembram-se de Jacinto Lamas? O embargo de declaração deste senhor foi julgado no primeiro dia desta nova fase, quando, diga-se, estava previsto que se cuidasse já do embargo infringente, uma vez que a defesa de Delúbio resolveu se antecipar e apresentar tal expediente. Zavascki não participou porque faltou à sessão. Sua mulher havia morrido. Ele estava fora do tribunal. Eis que, nesta quinta, do nada, ele saca a questão de Lamas — que absolutamente não estava em debate. Ato contínuo, Lewandowski faz o quê? Passa a ler um voto sobre o caso que, curiosamente, citava — estava escrito lá! — o de Zavascki. Com todo o respeito, não é? Mas começo a achar que, nesse julgamento, ou algumas pessoas passaram a exibir dotes mediúnicos, sobrenaturais (Padre Quevedo diz que “non ecziste” e que é tudo telepatia), ou, então, há o grande risco de estar havendo uma espécie de concerto que não concorre para a grandeza do tribunal. Tribunais concertados, e não consertados, costumam obedecer a entes de razão que não servem à Justiça. Servem então a quem? A quê? Costumam obedecer ao 12º passageiro.

Terceiro movimento
Findos os embargos de declaração, Joaquim Barbosa começou a tratar dos agravos regimentais interpostos pelas defesas de Delúbio Soares e Cristiano Paz. O primeiro havia já recorrido ao embargo infringente — o que, hoje, parece ter sido um erro estratégico fundamental —, e o segundo pedia dilatação do prazo para a apresentação desse tipo de recurso. Muito bem! Em maio, Barbosa, monocraticamente, havia dito “não” às duas coisas. Na sessão desta quinta, tratava-se de submeter tal decisão ao plenário porque as defesas recorreram ao agravo regimental, que força a decisão monocrática a ser submetida ao plenário. Se a maioria do tribunal endossar a posição de Barbosa, acabou o julgamento. Ao explicar por que rejeitou o embargo infringente, o presidente do Supremo apelou à explicação óbvia, que vocês conhecem bem: a Lei 8.038 disciplina as ações de competência originária dos tribunais superiores e não prevê tal expediente.

Nota antes que avance: se a defesa de Delúbio não tivesse se precipitado, um novo acórdão começaria a ser redigido com as alterações feitas pelas votações dos embargos de declaração, e, aí sim, as defesas, publicado o texto, tentariam então os infringentes. Quando menos, ganhar-se-ia mais tempo. Como houve a antecipação, então se pode fazer já esse debate e tomar a decisão.

Muito bem: advogados de outros réus que teriam direito aos infringentes apresentaram um memorial afirmando que, como a decisão decorrente da iniciativa da defesa de Delúbio teria também efeito sobre o destino de seus respectivos clientes, gostariam de participar do debate, apresentando seus próprios argumentos. Roberto Barroso, então, sugeriu que se desse mais uma semana para que estes apresentassem seus pontos de vista, transferindo a decisão (ou começo dela) para a próxima quarta-feira. Mais uma nota antes que continue: o ministro Celso de Mello interrompeu, num dado momento, a leitura do voto de Joaquim Barbosa com uma intervenção sobre os infringentes que, a mim, pareceu-me um tanto ambígua, tendente, para falar a verdade, a flertar com o recurso. É claro que torço para estar errado. Vamos ver.

Aí foi, então, a vez de o ministro Marco Aurélio, sem nenhuma preocupação em ser compreendido pelas massas — ele costuma ser mais claro quando ironiza colegas —, falar em “preclusão consumativa”, provendo (aceitando) o recurso da defesa de Delúbio, mas apenas para, como explica o site do Supremo “reconhecer que os embargos não foram apresentados no momento devido, ocorrendo a chamada preclusão no caso, uma vez que a defesa não poderia ter apresentado dois recursos (embargos de declaração e embargos infringentes) ao mesmo tempo para questionar a condenação (…)”.

Em português mais claro: para ele, não cabe agora esse tipo de debate. O ideal é que se encerre essa fase dos declaratórios, que se façam as alterações no acórdão e, aí sim, com um novo prazo, se cuide dos infringentes. Noto que Marco Aurélio antecipou seu voto — ele é o penúltimo da turma. Pois é… O miniastro, e ele sabe disso, já disse a mais de um interlocutor que considera um desastre para o tribunal e para o país a admissão dos infringentes, o que jogaria o julgamento sabe-se lá para quando. No Portal G1, no entanto, colho estsa sua declaração: “Para mim, é uma matéria importantíssima porque viabiliza, inclusive, o direito de defesa daqueles que acreditaram na ordem jurídica e esperaram o julgamento dos declaratórios, para aí sim interpor esse recurso que está gerando essa celeuma toda que é um recurso de revisão. […] O presidente agiu a tempo, mas não agiu a modo. Julgamos os embargos infringentes antes de entregar a prestação jurisdicional e a ordem natural das coisas ficou prejudicada”.

Traduzindo
Marco Aurélio está convidando seus colegas a arrastar por ainda mais tempo o julgamento do mensalão. O mesmo Marco Aurélio que refez o próprio voto e aderiu à tese da revisão da pena de José Dirceu. Terei de escrever aqui o que disse no debate da VEJA.com. Gosto do ministro Marco Aurélio e nada sei que comprometa a sua isenção como juiz. Se soubesse e não tivesse como prová-lo, bastaria silenciar e não fazer essas afirmações. Mas, em nome dos fatos — e dada a importância pública da questão —, não há como ignorar que a filha do ministro, uma jovem advogada de 36 anos, foi indicada pela Ordem dos Advogados do Brasil, pelo quinto constitucional, para integrar o Tribunal Regional Federal do Rio. A nomeação depende de Dilma Rousseff — e se comenta, nem este faz esforço para que assim não pareça, que Lewandowski é hoje um grande eleitor.

Eu estou ousando escrever aqui o que se está a comentar em toda parte. O ministro Marco Aurélio sabe muito bem que não foi Joaquim Barbosa quem levou a defesa de Delúbio Soares a antecipar o embargo infringente; sabe muito bem que o ministro disse “não” ao embargo em maio — e, portanto, as respectivas defesas tiveram mais de três meses para preparar seus argumentos. Sugerir, como na fala acima, que o devido processo legal está sendo atropelado é despropósito. A quem interessa essa demora? Para verificar exatamente o quê? Para esperar o quê? Nas contabilidades que se faziam por aí, com base em considerações do próprio Marco Aurélio — como se nota acima, ele gosta de falar —, o ministro era dado como um voto contra os infringentes, até mesmo um fiel da balança.

Encerro
De novo: ninguém está a cobrar que o tribunal, com o ânimo de punir, não siga lei. Ao contrário! O que se cobra é que siga, dando um pé no traseiro do 12º passageiro! Ou, então, será engolido.

Por Reinaldo Azevedo

Tags: Mensalão, STF

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